Por Ezequiel Guimarães
Parece que foi ontem, ou melhor, parece que nunca aconteceu. Parece que se formos à Via Buonarroti em Milão, ainda iremos encontrá-lo lá em sua sala abarrotada com inúmeras pranchas e publicações de diversos profissionais da 9a. arte, extremamente atarefado em seus diversos afazeres. Afazeres que ele tanto amou e que o tornaram um dos grandes expoentes mundiais na editoria quadrinhística.
Sim, o tempo não pára. Já faz um ano que o mítico editor e argumentista Sergio Bonelli, partiu para as pradarias de Manitu, e agora ao redor de uma bela fogueira conversa com outros que o antecederam na grande passagem. Está lá alegremente ao lado do pai (G.L.), de Galep, e de tantos outros génios dos quadradinhos.
Sim, já faz um ano… Era o dia 26 de Setembro do ano passado (2011), quando o mundo quadrinhístico foi surpreendido pelo anúncio imprevisto de sua morte, após uma curta e inesperada doença.
Sergio, nascido em 2 de Dezembro de 1932 em Milão, não era só o chefe-maior, mas também o coração, a alma e o cérebro da editora que leva o seu nome: SBE – Sergio Bonelli Editore, que de pequena empresa familiar iniciada por seus pais em 1939 (com o nome de Redazione Audace), tornou-se, sob seu comando, a maior editora de quadradinhos da Itália, e uma das maiores editoras europeias, abordando diversos géneros, como faroeste, policial, sobrenatural, aventura, ficção científica e outros, com personagens como Tex (que já passou da 600ª. edição italiana, e é o mais longeva das personagens de banda desenhada de faroeste do mundo, no sub-segmento realístico, e principal título da casa), Dylan Dog, Dampyr, Zagor, Julia, Martin Mystère, Mister No, Nick Raider, Ken Parker, Judas, Leo Pulp, História do Oeste, Nathan Never, Mágico Vento, entre tantos outros. Suas publicações chegaram ao patamar de mais de 2 milhões de unidades mensais vendidas em todo o mundo, e alcançou diversos países como Brasil, Argentina, Turquia, Espanha, Croácia, Israel, Índia, Finlândia, Estados Unidos, França, Eslovénia e Noruega.
Sergio era um apaixonado pelos quadradinhos desde criança, quando ganhava revistas de vários editores italianos que tinham contacto com seu pai, Giovanni Luigi Bonelli (que na época trabalhava como argumentista freelance até tornar-se editor de si mesmo, e viria a ser o criador do ranger Tex, principal personagem da editora até hoje). Giuseppe Caregaro, Gino Casarotti e Agostino Della Casa, foram alguns desses editores que com revistas de Saetta, Volpe, Maciste, Dick Fulmine – além de outros, fizeram a alegria do jovem leitor (que foi também grande fã do Fantasma).
Ainda na infância, nos anos 1940, sua residência era a “redacção” da iniciante editora, que era dirigida e administrada por sua mãe, Tea Bonelli. Isso fez com que o garoto Sergio crescesse convivendo com autores que lançaram os alicerces dos quadradinhos italianos, como Albertarelli, Canale, Caprioli, os irmãos Cossio, e tantos outros (inclusive seu pai) que iriam influenciar o futuro editor-argumentista.
Logo passou a ajudar em muitas actividades da nascente empresa (até respondia carta dos leitores). Em Junho de 1952, participou ao lado de sua mãe da inovação que foi a mudança no formato das revistas e criou com isso um novo padrão que é seguido até hoje na Itália, e que passou a ser conhecido como formato bonelliano – a página composta por três tiras de vinhetas. Na época, muitas revistas populares tinham uma tira só por página, e eram do tamanho de um talão de cheques (depois passaram a duas tiras por página), isso porque havia falta de papel nos anos pós-Segunda Guerra Mundial. Até surgiu depois o termo “bonellide” para designar as personagens que seguem o “padrão” bonelliano, mas não são publicados pela SBE.
Após terminar os estudos, assumiu o comando da editora (em 1957), e substituiu sua mãe (nessa época a editora mudou o nome para Edizioni Araldo). Com o passar dos anos, tornou-se um dos maiores editores de banda desenhada, e um Editor “completo”, pois num mercado onde muitos editores só actuam na área administrativa, Sergio actuava em tudo: além da administração, também actuava editorialmente no sector artístico das suas personagens (argumentos, roteiros e desenhos). Lia todas as histórias antes de publicá-las. Analisava, sugeria, modificava, cortava partes de histórias que achava não convir à característica daquela personagem, tanto nos textos como nos desenhos, ou até “engavetava” histórias por achar que não condiziam com a postura editorial para aquele herói. Como exemplo, no dia 18 de Novembro do ano passado (2011) foi para as bancas italianas o Tex – Le iene di Lamont (As Hienas de Lamont), após ter ficado 7 anos “engavetado” por Sergio (que tinha vetado 11 páginas que tiveram que ser refeitas pelo desenhador). Acompanhava tudo de muito perto, até mesmo a música de espera no telefone da editora foi escolhida por ele.
Ao longo do tempo editou variadas séries, formatos e personagens, e nas décadas de 1980 e 1990, inovou novamente ao criar edições especiais – e depois novas séries baseadas nelas, com propostas diferentes para a personagem de maior sucesso da editora – Tex : uma com argumentistas e outra com desenhadores, em ambos os casos diferentes dos habituais. Além disso, com outras diferenças: uma no volume de páginas (que equivaliam a 3 edições juntas da série regular), e outra num formato inédito para Tex: grande, próximo do formato magazine. Isso era um grande risco, pois toda personagem que tem um público muito grande e cativo, normalmente tem neles leitores avessos a alterações tão importantes, principalmente quando se trata dos dois pilares dos quadradinhos, ou seja, o roteiro e a arte. Ainda mais que até essa época Tex só havia tido três argumentistas: seu pai, ele mesmo e Claudio Nizzi. Mas mais uma vez Sergio obteve amplo sucesso, tanto que as séries perduram até hoje (Albo Speciale e MaxiTex na Itália , Tex Gigante e Tex Anual no Brasil).
Anos depois lançou algo incomum, até então, em suas publicações: novas personagens, mas apenas em mini-séries ou maxi-séries. Sergio foi muito além de editor: seguiu o exemplo paterno e criou personagens clássicas como Zagor (em 1960 – do qual foi o argumentista por quase 20 anos, e que continua a ser publicado) e Mister No (em 1975). Ambos foram lançados também no Brasil. Usava o pseudónimo Guido Nolitta, para não se beneficiar da fama do sobrenome Bonelli (já famoso nesse período devido às criações do seu pai, sobretudo Tex). Roteirizou também algumas histórias de Tex, e chegou até a superar seu pai, pois, uma dessas histórias, El Muerto, foi considerada como a melhor história da personagem Tex em votação na Internet no site temático brasileiro TEXBR.
Teve a visão de preparar seu filho Davide Bonelli para comandar a editora após a sua partida. Parece algo óbvio, mas muitos empresários cometem o erro de não fazê-lo. No ano passado, muitos fãs ficaram apreensivos com o futuro, pois Davide iria se concentrar apenas na área administrativa e não na área editorial artística, como Sergio fazia. Mas, um profissional do alto gabarito de Sergio, já havia pensado em tudo: cercou o filho de experientes executivos, em ambas as áreas (administrativa e principalmente a artística), e Davide está há um ano comandando muito bem os rumos da nau bonelliana, seguindo a estratégia traçada pelo pai.
Naquele 26 de Setembro de 2011 e dias adjacentes, prestamos nossas homenagens ao grande Sergio Bonelli e lamentamos muito sua partida. Hoje voltamos a prestar-lhe homenagem por um ano de seu desaparecimento do nosso campo material, mas ele continua vivo em nossas mentes diariamente, bem como nas milhares de páginas geradas mensalmente pela sua maravilhosa editora, que continua pregando seu belíssimo legado.
Legado de honestidade, de bondade, de ajuda ao próximo, de justiça, de um mundo melhor. Qualidades que expressou tão bem em vida, e também nas páginas de suas maiores criações, Zagor e Mister No, e nas páginas das demais personagens bonellianas que escreveu ou editou.
Por tudo isso, podemos dizer, MUITÍSSIMO OBRIGADO SERGIO!!! E, até um dia…
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